domingo, 20 de janeiro de 2013

Lá, e de volta.

São quase só memórias. Ele chega de lugares distantes, emerge de águas antes desconhecidas, e se desconhece? Sabe que não é o mesmo que foi, ainda que continue reconhecível para si próprio, para aqueles bons amigos próximos, para o senhor que faz os pães e para a dona da livraria. Algo que foi, algo que não veio.

Não há como manter tudo. Nem o tamanho das plantas que se despediram dele antes da partida. Nem a limpeza que era aquele cuidado com a casa. Voltava, e mínimos detalhes de inconstância o capturavam mais do que as permanências. Observava em si um gosto pelo que se deforma e transfigura, e já não sabia mais como olhar para Ela.

Não só porque há tempos ela não enviava um sorriso, ou gota de lágrima, ou suspiro, mas porque se encontravam perdidos todos os seus retratos no acúmulo de passados que sobrepuseram os cheiros do café, as tortas de morango, a tinta dos sprays, o olhar refletido e a luz fraca do Sol que acordava antes ela, depois ele.

Quase memórias ainda sabem desenhar as maças daquele rosto, ainda esboçam o cabelo que emoldurava seu rosto enquanto dormia. Sonhos pescavam ainda no passado, quiçá no futuro, alguma lembrança inventada. Sabia ele dos contornos dela, que conhecera tão bem. Mas aqueles agora deviam de ter mudado lentamente de forma. Outra figura veria, nas conhecidas montanhas que se projetavam na parede, quando ela, na contraluz. O interessava a ideia do que haviam sido, mais pelo fato de que não eram mais; transformavam-se, não precisava muito pra perceber, mas não era possível saber exatamente o que eram agora.

Contava que ele chegara de lugares distantes, e que chegara à  quase-não-mesma casa em que vivera nos últimos meses. E havia novamente um sinal dela, a outra que era, de certo, ainda que reconhecível. Ao susto da porta aberta, deu lugar um desassossego, mais ainda quando notou que a neblina, não muito lentamente, se dissipava, delineando ao fundo, perto da janela, o exato retrato. Aprendia novas maneiras de se ter com a saudade, imaginava, e assim não perdia o prumo, mas sentia falta da maneira serena como andava conseguindo lidar com as lembranças.

São quase só memórias. Não há como manter tudo.

Naquela noite, dormira mais tarde do que planejara. Deitara-se com um redemoinho abaixo do travesseiro.