domingo, 16 de junho de 2013

Sem Saudosismo

Eu não sabia que era possível sentir com tamanha intensidade o aproximar-se de um dia histórico. Durante todo o final de semana ouvi e falei sobre a manisfestação de amanhã com amigos, familiares, conhecidos e desconhecidos, no bar, no metrô, no ônibus, na padaria, no elevador, na banca de jornal e em uma dezena de grupos de mobilização pela internet.

Atestar o crescente número de adeptos ao ato do final da tarde de hoje me encheu de emoção. As descrições detalhadas sobre o novo corte de cabelo ou o banho do cachorro desapareceram e deram lugar à dicas sobre como se proteger contra balas de borracha e gás lacrimogênio, mensagens nacionais e internacionais de solidariedade à manifestação que vem para dizer que, se era mesmo verdade que o povo brasileiro não é (ou não era) politizado, nem capaz de se organizar e articular em grandes mobilizações para lutar por garantia de direitos básicos, como no caso, à cidade, à cidadania, à liberdade de expressão e à não-violência policial, estamos provando o contrário.

Agradeço a todas as lutas anteriores, das gerações que precedem à minha e de boa parte dos manifestantes, que abriram portas e janelas para que esta, a luta de hoje, pudesse ser construída. Agradeço aos que nos ensinaram a erguer a cabeça e acreditar, mesmo no que parece impossível: aos nossos pais e professores e outros amigos que já contam com alguns fios brancos nas cabeças.

Os que se esforçaram pra dizer que não havia mais grande luta alguma a ser travada, espero que tenham percebido que se enganaram.

Desejo aos que amanhã estarão no Largo da Batata, além de uma delícia de noite de sono, um bom acolchoamento nas roupas, máscaras e bandanas tingidas de vinagre, lentes de contato guardadas em casa, um pouco de medo, para que cuidem de si e dos outros como puderem e toda a paz que for possível neste dia.

Axé.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

  • Marquei meu corpo
    na epiderme, minha periferia,
    o que latia em mim
    de dentro pra fora
    tempos a fio e afora

  • O que outrora andava dentro
    hoje anda afora,
    à luz do sol e da chuva
    na pele da cobra de agora

    Frony Jonkli

segunda-feira, 18 de março de 2013


A parte minha transbordante,
formada escrita comunicante,
se me extra-vaza, não mais me cabe
                                           vai pro mundo-

                     - donde veio
 

Sinto o veio que daqui corre,
          corrente,
   desenhando veredas de rios,
             nascentes,
     
       sei que tudo o que transborda, já foi  
                                                                                                                                     semente

     e eu semeador semeado,
        que sou apenas recipiente misturador
      torno-me estreito, via , ponte
    para que o mundo tenha acesso
à parte coletiva dele próprio
que em mim toma alguma forma.

domingo, 10 de março de 2013

Re-torno



Lancei algumas palavras
e torto
errei-lhe as rimas
rimei depois
à flechadas
o centro da minha mira.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Lá, e de volta.

São quase só memórias. Ele chega de lugares distantes, emerge de águas antes desconhecidas, e se desconhece? Sabe que não é o mesmo que foi, ainda que continue reconhecível para si próprio, para aqueles bons amigos próximos, para o senhor que faz os pães e para a dona da livraria. Algo que foi, algo que não veio.

Não há como manter tudo. Nem o tamanho das plantas que se despediram dele antes da partida. Nem a limpeza que era aquele cuidado com a casa. Voltava, e mínimos detalhes de inconstância o capturavam mais do que as permanências. Observava em si um gosto pelo que se deforma e transfigura, e já não sabia mais como olhar para Ela.

Não só porque há tempos ela não enviava um sorriso, ou gota de lágrima, ou suspiro, mas porque se encontravam perdidos todos os seus retratos no acúmulo de passados que sobrepuseram os cheiros do café, as tortas de morango, a tinta dos sprays, o olhar refletido e a luz fraca do Sol que acordava antes ela, depois ele.

Quase memórias ainda sabem desenhar as maças daquele rosto, ainda esboçam o cabelo que emoldurava seu rosto enquanto dormia. Sonhos pescavam ainda no passado, quiçá no futuro, alguma lembrança inventada. Sabia ele dos contornos dela, que conhecera tão bem. Mas aqueles agora deviam de ter mudado lentamente de forma. Outra figura veria, nas conhecidas montanhas que se projetavam na parede, quando ela, na contraluz. O interessava a ideia do que haviam sido, mais pelo fato de que não eram mais; transformavam-se, não precisava muito pra perceber, mas não era possível saber exatamente o que eram agora.

Contava que ele chegara de lugares distantes, e que chegara à  quase-não-mesma casa em que vivera nos últimos meses. E havia novamente um sinal dela, a outra que era, de certo, ainda que reconhecível. Ao susto da porta aberta, deu lugar um desassossego, mais ainda quando notou que a neblina, não muito lentamente, se dissipava, delineando ao fundo, perto da janela, o exato retrato. Aprendia novas maneiras de se ter com a saudade, imaginava, e assim não perdia o prumo, mas sentia falta da maneira serena como andava conseguindo lidar com as lembranças.

São quase só memórias. Não há como manter tudo.

Naquela noite, dormira mais tarde do que planejara. Deitara-se com um redemoinho abaixo do travesseiro.